sábado, 28 de maio de 2016

“Tu és o meu filho amado!” (Lc 3, 22)


A fala é um dos sentidos que o homem possui e parece quase impossível compreender o ser humano dissociado deste. Sua importância é tamanha e torna-se natural não perceber sua beleza e emprego no cotidiano. Tais questionamentos surgem quando existe ausência. É quase sempre assim. O que um resfriado, uma gripe, uma infecção ou qualquer outro mal-estar que atinge diretamente nosso aparelho vocal não provoca?
Encontrar-se impossibilitado de expressar a voz nos leva a utilizar outros recursos para a comunicação. Assim se descobre que tudo em nós comunica. Não é somente a voz, a fala, de maneira solitária. Ela sempre chega acompanhada de um conjunto de gestos e atitudes. Assim também ocorre na escrita. A pontuação indica a pausa, a entonação da voz, e com ela certamente chega a expressão facial, os movimentos gestuais, entre outros. Divirto-me com os amigos que me escrevem sem pontuação, pois, digo que, dependendo onde eu as coloco, tenho uma versão da mensagem. Talvez não seja bem aquela que eles quisessem me falar. Eis a grandeza do que flui naturalmente no dia-a-dia.
Mas, toda essa abordagem deve-se à reflexão colocada no início deste ano, o ano do ‘noviciado’, e escolhida como luz na caminhada que por hora empreendo. A citação é o já mencionado no título do texto “Tu és o meu filho amado”. Numa análise gramatical aplicada à mesma, nota-se a vivacidade com que ecoa aos ouvidos, porém, uma vivacidade carinhosa, suave, que abraça o próprio destinatário. Se este sentimento nos permite criar o cenário na imaginação, muito mais intensa é a sua repercussão na dimensão espiritual, orante, traduzida para a própria história de vida.
A declaração tem caráter singular. Foi esta a primeira constatação destacada. Tomar consciência que sou amado. E nasce seguramente a curiosidade em saber o autor desta manifestação de amor. Esta indagação nos leva ao encontro do próprio Deus. É Ele que neste momento faz constantemente esta afirmação: “Tu és o meu filho amado! ”. Fico com as interrogações e o sorriso, semelhante a criança que gosta do que se desenrola como novidade num acontecimento único. Talvez esta não seja a primeira e nem a última vez. Afinal, o Pai conhece inteiramente cada filho, filha, que trouxe ao mundo. E neste contexto me identifico.
Pergunta-se “De que modo Deus fala e expressa esse sentimento em relação a mim?”. Pareceria loucura dizer que acontece diretamente, como algo extraordinário, o que não é impossível, tratando-se de Deus. No entanto, é no ordinário que Ele comunica o seu amor. Nesse sentido, o convite é estar atento para reconhecer sua manifestação no cotidiano. De que maneira? Primeiro é olhar a própria vida como dom. Depois, é necessário retomar a própria história pessoal a luz da fé, e, nela estarão os traços de Deus. Nesta leitura, certamente não existe coincidência.
Bem, mais do que alegrar-se com a escuta desta afirmação, ela implica compromisso. O amor não é passivo e nem solitário. É próprio de si a comunhão. O amor é para ser amado. Se sou o filho amado, o amor já faz morada em mim, independente de minha tomada de consciência. Uma vez reconhecido, é natural que este amor cresça e se desenvolva. Não posso guarda-lo de modo egoísta. Este “acordar” ou “cair a ficha” modifica a vida. Não é um passe de mágica, obviamente. Porém, um trabalho de crescimento pessoal que carrega consigo uma dimensão de comunhão.
Não sou apenas o filho amado, mas, tenho em mim o próprio amor. E compreendo que o amor não se explica. Pode-se no entanto, vivê-lo. E as palavras que dele ressoam não são solitárias, pelo contrário, são carregadas de sinais concretos e impregnados na própria vida que se espraia. Que você também faça desse ano, desse momento, oportunidade de mergulhar na descoberta desse amor intenso do Pai! 
 

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