Saudações missionárias! Nesta semana santa e iniciando o tríduo pascal, expresso os desejos de que todos possam celebrar intensamente estes dias que nos conduzirão à RESSURREIÇÃO, celebrada no domingo de páscoa. Em minhas leituras realizadas nesta semana, achei interessante o texto abaixo, e por isso partilho na íntegra com todos que nos acompanham. Boa leitura e uma forte vivência pascal à todos nós!
SIMÃO PEDRO
Aquela
noite de quinta-feira foi ocasião mais terrível de minha vida. Noite de minha
vaidade e humilhação, de ódio e sofrimento. Como poderia esquecê-la?
De
manhã, Jesus nos informou que desejava celebrar a Páscoa conosco naquele mesmo
dia, por isso mandou que João e eu preparássemos a ceia (cf. Lc 22,7-12).
Ninguém entendeu muito bem o porquê daquele pedido, já que a lei judaica
estabelecia que a ceia deveria ser celebrada na véspera da Páscoa. Algo me
dizia que aquela ia ser especial, talvez a última na companhia de Jesus.
Como
não sabíamos em que local seria realizada a ceia, Jesus pediu que procurássemos
um homem com um jarro sobre o ombro. Assim fizemos; após atravessarmos o arco
de pedra do grande portal da cidade, detivemo-nos diante das primeiras casas do
bairro baixo, onde o encontramos encostado à muralha. Ele parecia saber de tudo
e nos conduziu a uma casa muito grande; logo começamos os preparativos. Além do
cordeiro, providenciamos pão, figos, mel, azeitonas, ervas e vinho.
Jesus
chegou ao anoitecer. Enquanto conversava animadamente com os donos da casa, nós
entramos no local predeterminado. Imediatamente, percebemos que, à entrada da
sala, havia muitas bacias com água. De acordo com a lei judaica, antes de os
convidados se sentarem à mesa, os criados deveriam lavar-lhes os pés. Depois,
os convivas lavavam as mãos. Todavia, na ocasião, como não havia serviçais,
quem se encarregaria dessa tarefa? Devo confessar (humildemente e com muita
vergonha) que tanto eu como os outros tivemos este pensamento: “Eu jamais me
rebaixaria a ponto de lavar os pés dos demais, como se fosse um criado”.
Em
silêncio, constrangidos, evitamos qualquer comentário sobre o assunto. Em
seguida, cada um foi ocupar seu lugar à mesa. Quando apareceu à porta do cenáculo,
Jesus olhou em direção aos lavatórios. Assegurando-se de que ainda não haviam
sido utilizados, ele nos falou com muito carinho:
-
Desejei ardentemente comer esta ceia pascal com vocês, antes de padecer.
Portanto, eu declaro que não mais tornarei a comê-la, até que esta se realize
no Reino de Deus (cf. Lc 22,15).
Nesse
momento, Tadeu passou a servir o primeiro de quatro copos de vinho, enquanto
Jesus observava tudo em silêncio. De acordo com a lei, uma vez esvaziado o
primeiro copo, os comensais deviam se levantar e lavar as mãos. Como sabíamos
que Jesus não gostava de formalidades, aguardamos com interesse o desenrolar dos
fatos. Mas, diante da surpresa geral, ele se levantou e caminhou
silenciosamente até as bacias de água. Então, ficamos olhando uns para os
outros quando ele retirou o manto, amarrou um pano na cintura e, carregando uma
bacia d’água, deu uma volta completa à mesa. Após parar onde eu estava,
ajoelhou-se com grande humildade e mansidão e pôs-se a lavar meus pés (cf. Jo
13,5). À vista da cena, levantamo-nos simultaneamente, porque ficamos admirados
ao perceber que ele havia arcado com o trabalho de um criado qualquer,
recriminando assim nossa mútua falta de consideração e caridade.
Quando
o vi ajoelhado diante de mim, meu coração se incendiou. Eu o amava acima de
tudo e de todos. Ao vê-lo como um insignificante criado e disposto a fazer
aquilo que nós havíamos recusado, compreendi meu erro e tentei dissuadi-lo da
tarefa. Como não queria que se ajoelhasse na minha frente, protestei energicamente.
-
Senhor – disse -, jamais vai me lavar os pés!
Após
olhar-me amorosamente, ele respondeu:
-
Pedro, embora não compreenda agora, vai entender o significado deste gesto mais
tarde. Se eu não lavar seus pés, você não terá parte comigo.
Ao
ouvir aquelas palavras, fiquei resignado. Então, não suportando seu olhar fixo
e penetrante, falei:
-
Então, Senhor, não me lave somente os pés, mas também as mãos e a cabeça.
Jesus
respondeu:
-
Quem tomou banho não precisa lavar senão os pés, pois está inteiramente limpo.
Vocês também estão limpos, mas não todos.
Enquanto
se fazia um silêncio geral, Jesus foi lavando os pés de cada um. Ao término da
tarefa, vestiu a túnica e retomou seu lugar à mesa. Nesse instante, uma grande
melancolia transpareceu em seu olhar, e ele nos informou que um de nós o
trairia naquela noite (cf. Jo 13,21). Era Judas, que, ao ser desmascarado, se
levantou da mesa e saiu pouco antes de ser servido o terceiro copo de vinho, o
das bênçãos.
Eu
tremia de indignação, e sentia que o sangue me martelava as têmporas. Trair o
Mestre? Como ele pôde fazer isso? Mas Jesus apenas me olhou, e eu permaneci em
meu lugar, como se fosse de pedra. Naquele momento, ele pegou o pão, partiu e o
distribuiu, dizendo que era seu corpo, que seria oferecido na cruz por nós. Em
seguida, fez o mesmo com o cálice de vinho, dizendo que era seu sangue, que
seria derramado por nós. Lembrei-me de suas palavras na Galiléia:
-
Eu sou o pão vivo, que veio do céu. Quem não comer da minha carne e não beber
do meu sangue, não terá a vida (cf. Jo 6,35).
Naquela
hora, quando disse aquelas palavras, seu conteúdo nos pareceu incompreensível.
No entanto, na ceia, Jesus revelou que nos deixava sua carne e seu sangue na
forma de pão e de vinho. Ao término da cerimônia, fez um longo discurso, que
nos pareceu ser um testamento, o qual finalizou com palavras carregadas de
muita emoção (cf. Jo 13, 33-38). Depois, rezamos salmos e cantamos hinos, e
isso nos fez ficar mais emocionados. Em silêncio, ele ouvia, enquanto rezávamos
e cantávamos com a voz embargada, naquela que seria a nossa última noite com o
Mestre.
Era
sua despedida, e nós não sabíamos disso. Dentro de algumas horas, ele seria
preso, e a separação, definitiva. Ao final dos hinos, Jesus pediu que o
acompanhássemos até o monte das Oliveiras para orarmos ao Pai Celestial a fim
de que concedesse a força necessária para enfrentar com coragem os momentos
difíceis. Então saímos e o seguimos ladeira acima. Como precaução, peguei um
facão e o escondi sob as vestes, disposto a usá-lo se fosse necessário.
Enquanto
caminhávamos, ele disse que nos deixaria sozinhos, e tive medo. Também revelou
que, naquela noite, Satanás nos experimentaria. Mas eu agarrava firmemente o
facão, sentindo-me seguro de mim mesmo. A certa altura, disse-lhe que, em sua
companhia, iria até a prisão e a morte, se fosse preciso. Ele me olhou com
tristeza e piedade e revelou que, ainda naquela noite, antes que o galo
cantasse duas vezes, eu o negaria três vezes (cf. Mc 14,30).
Aquelas
palavras me soaram como ofensa. Como ele podia duvidar de minha lealdade? Eu
apertava o cabo do facão e me sentia como um leão, pronto a enfrentar qualquer
eventualidade.
Após
chegarmos ao monte das Oliveiras, Jesus pediu que rezássemos e vigiássemos; em
seguida, ele se enveredou por entre as árvores. Banhados pela luz do luar,
podia-se perceber que estava rezando. Em um dado momento, levantou os olhos
para o céu e exclamou, com voz forte:
-
Pai, se quiser, afaste de mim este cálice! Contudo, não se faça a minha
vontade, mas a sua! (cf. Lc 22,42).
Cansados,
deitamo-nos ali mesmo e dormimos. Então ele veio até nós e nos repreendeu,
porque não fomos capazes de vigiar uma só hora com ele; logo após, pediu
novamente que vigiássemos e rezássemos (cf. Mc 14,37-39). Mal havia se
distanciado, e caímos em um sono profundo.
Então
ele retornou e, compadecido de nosso cansaço, disse que podíamos continuar
dormindo. De repente, ouvimos um grande barulho. Era judas, que chegava com um
destacamento militar romano e com guardas do templo, enviados pelos fariseus,
sumo sacerdotes, escribas e anciãos para prenderem Jesus (cf. Lc 22, 47).
Antes
de prendê-lo, as elites de Jerusalém e as autoridades do templo haviam
procurado desacreditá-lo diante do povo. Acusaram-no de ser samaritano, glutão,
beberrão e amigo de pecadores, publicanos e prostitutas. Além disso, disseram
que não praticava o jejum, que estava louco e era endemoninhado.
Quando
vi aqueles mal-encarados com as mãos sobre Jesus, desembainhei meu facão e
comecei a golpear às cegas. De uma só vez, arranquei a ponta da orelha direita
de Malco, um dos servos de Caifás. Jesus virou-se para mim com uma postura
recriminatória e me mandou jogar fora a arma.
-
Quem com a espada fere com a espada morrerá – disse. Após olhar-nos, continuou:
- Não compreende que é vontade de meu Pai que eu beba este cálice?
Enquanto
isso, Malco retorcia-se de dor. Jesus, em um gesto humanitário, recolheu a
ponta da orelha no chão e recolocou no lugar. Em questão de segundo, os gemidos
diminuíram (cf. Jo 18, 10).
Após
imobilizar Jesus com grossas cordas, o oficial dirigiu-se a seus homens,
ordenando que prendessem também aquele “grupo de fanáicos”, segundo a própria
expressão. Mas a patrulha não reagiu a tempo, e conseguimos fugir do local.
Depois,
ele foi conduzido à casa do sumo sacerdote Caifás, a maior autoridade do
templo. Triste e confuso, eu o seguia ao longe e permaneci no pátio. Em meu
íntimo, pensava onde estaria minha valentia. Sentia-se fraco, cansado e com
frio. No meio do local, ardia uma grande fogueira, da qual me aproximei,
tiritando. Nesse instante, uma criada apontou em minha direção, dizendo:
-
Este homem estava com ele! (cf. Jo 18,17)
Naquele
momento, tive medo de ser preso. Eu, que acreditava ser forte e corajoso, temi
uma simples empregada; então, respondi que não o conhecia. Ela se calou. Algum
tempo depois, o frio havia penetrado em meus ossos, e a covardia invadia minha
alma. Percebi que um homem me olhava fixamente e disse ter a impressão de que
me conhecia também. Neguei de novo, ainda mais temeroso de ser descoberto.
Nesse
ínterim, uma aurora cinzenta e triste se aproximava; assim estava minha alma. À
primeira luz do dia, outro homem me fitou e, reconhecendo-me pelo sotaque
galileu, disse:
-
Na verdade, este homem estava com ele!
-
Não! – retorqui com força.
Na
mesma hora, o galo cantou (cf. Jo 18, 27). Ao ver que Jesus estava sendo
conduzido ao Sinédrio, recordei-me de suas palavras. Como ele havia predito, eu
o renegara três vezes. Eu, que acreditara ser forte e me gabara de ser
corajoso, o tinha negado por fraqueza.
Corroído
pelo remorso, saí do pátio e chorei, com muita amargura por ter renegado o meu
Mestre e Senhor. As lágrimas escavavam sulcos de vergonha em meu rosto de
discípulo infiel.
Aquela
foi a ocasião mais terrível de minha vida. Noite de minha vaidade e humilhação,
de ódio e pranto. Como poderei esquecê-la?
Fonte: SILVA, Raimundo Aristides da. A vida de Jesus narrada aos jovens. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 65-72.
– [coleção esperança jovem]