NOS TRILHOS DAS ÁGUAS
Sem motivos aparentes, sem aviso
prévio aos desprecavidos normais, surge no meio do quase nada, em um lugar
qualquer, um fileto, um marejo, um minúsculo broto de água em busca do vento na
cara. Um rebento que sai em busca de conquistas, sonhos, realizações, quais não
constam nos escritos das aventuras do tal. Quando este desperta deixa o cume e
desaba pondo a sua marca, seu rastro no torrão onde passa. Obstante, por sua
miudeza, até uma folha pode ser um obstáculo. É aí que sua audaz vontade de
descer acumulada lhe permite superar passando por cima ou contornando-o o que
lhe impede de segui. A causa desta vontade é a busca de ter o sol na cara ou
simplesmente se permitir ser naturalmente natural.
Ninguém sabe onde esta pequena corrente
vai. Ela própria não sabe. Ela vai sem pretensões maiores. Tudo o que busca é
vagar sem ter o rumo certo e realmente ter a luz do sol na testa. Ela se faz o
sujeito de seu próprio destino, como peregrino vaga a fim somente de ser o que
é.
Ao longo de seu caminho outros filetos
que marejam em sua volta correm (desabam) com o mesmo tom quando surpreendidos
por um desfiladeiro que os tornam UM. Um único, um fio, uma corrente. Agora
aqueles que formaram este já podem ser notados com mais destaque e seus rastros
são profundos, os seus murmúrios já podem ser ouvidos a passos de distancia.
Agora o lugar da folha é ocupado por
uma pedra que lhe faz resistência ao caminho. Do mesmo modo, este acumula forças
sem intenção de remove-la, mas, de superar-se a si mesmo contornando-o por um
lado ou por outro. Em ambas as circunstâncias faz bem a fluidez, pois este
corre, não para recuperar o tempo perdido, é só um jeito de comemorar. Até o
seu murmúrio de festa é ouvido mais longe.
A esta altura já não vive só para si. As
raízes das arvores que lhe contornam são lançadas para mais perto do seu discreto
leito para suster a vitalidade. A este ponto já são filetos, mais, filetos que
se uniram, é chegada a hora da decisão. O destino os uniu e agora são alvos do
mesmo destino sem dramas.
A procura de acomodações, de ser o que
é, gota em gota vão ficando de lado até
formar um enorme lago, pântano, brejo, como queiras chama-los. Alguns olheiros
diram que foi por acidente, e é um erro não lutar para seguir em frente, pois
ali não tem vida. No entanto elas permanecem ativas, criam o seu próprio
dinamismo. Algumas sementes que lhes cercam, nascem e crescem abundantemente.
Este seu estado não é ruim. Alguém pode até dizer que é apenas uma poça de
lama, porém, este seu estado poderá abreviar o seu renascimento. Elas não ficam
somente por ficar, ficam por sua realização.
Neste ponto da aventura, do fluxo, já
temos uma boa corrente. Ao seu alcance crianças e adultos pulam, brincam,
divertem-se até esquecerem-se do tempo. E assim sai cortando vilas, vales e
matas. Sendo abrigo, caminho, matando sede e fome.
Tudo acontece de improviso. Assim,
como o primeiro fio, todas os outros que buscavam seu caminho se encontram por
acaso. Ambas tiraram forças para superar todas as dificuldades encontradas na
via. Mesmo nos impasses aceitaram ser companhia de modo que cresceu o ciclo de
relação e isto tornou-os forte e insuperável por qualquer obstáculo. Aqui
encontramos um RIO, um rio da vida.
A trilha agora é profunda. Sendo rota
de destino para muitos vai além de expectativas primarias. Seu caminhar segue. E
a cada novo passo toma novo vigor e sua grandeza torna-se majestosa. Em
comunhão, todos, em seu caminho encontram a uma recepção que lhe envolve pouco
a pouco até que se percebem sucumbidas pela imensidão do MAR. Mar da existência
que lhe abraça e o faz ser como todos os filetos. Embora seu caminho tenha sido
diferente, seu destino foi o mesmo. E tudo aconteceu em seu próprio caminho.
Quem ficou, quem foi, fez o seu certo,
foi natural. Agora pode desbravar o infinito na agitação ou calmaria.
Dizem que as pessoas inconstantes são
como as ondas do mar: morrem na praia. Uma onda não morre na praia. O
contrário: se realiza. De longe ela junta suas forças e ao chegar simplesmente
se entrega, se joga, derrama... Ser testemunha de um fenômeno assim grandioso é
estimulante. A onda ao perder sua força não fica frustrada. Ela volta e se
refaz até conseguir beijar a praia. Ela faz tudo por um beijar eterno, por
sentir o calor, o abraço aconchegante da praia que
acolhe sem fugir, sem fingir. Depois que
esta atinge a sua realização, deixa a sua marca, deixa sua essência embeber a
areia e agora são um. São dois em um. Ninguém consegue ver que tornaram eternos
amantes. Para um olhar simples é um mero morrer na praia. Para eles é encontrar
o seu destino e viver intensamente o momento presente.
As vezes somos onda, as vezes somos
areia da praia. Quando onda, buscamos
uma praia que não sabemos se ela nos espera. Quando praia, esperamos uma onda
que não sabemos quando chegar. Mesmo
sem saber se viveremos a plenitude de um encontro, continuaremos indo,
continuaremos esperando.
A grandeza de cada ser está em si. A
sua bravura o faz forte. E assim, enquanto chegam as duvidas de em qual estação
estamos, concluiremos que podemos, que pode ser sempre a estação de um
recomeço.
Agora, como um ser diferenciado,
façamos os cálculos e nos ponhamos como as tais gotinhas que emergiram de um
lugar sem ao menos ser notado. Qual é a nossa marca? Quais são os espaços que
irrigamos a fim de que produzam frutos? A quem saciamos a sede?
Em nossos dias possamos superar
folhas, pedras e qualquer obstáculo em nosso caminho. Na poesia do viver superemos
os nossos próprios limites e nos tornemos navegantes em nosso próprio existir.
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